domingo, 2 de outubro de 2011

DAR O PEIXE OU ENSINAR A PESCAR?


É apenas uma frase de efeito como tantas outras que correm de boca em boca e ninguém sabe o que fazer com elas. É cultura inútil, com aplicabilidade duvidosa.

Por exemplo, para o programa “Fome Zero”, do governo federal, que é uma idéia brilhante, um objetivo humanitário, um princípio eminentemente cristão, afirmar que “não adianta dar o peixe, precisa ensinar a pescar” pode não ser a solução. Pode não ser uma verdade e pode não se aplicar. 

O programa se iniciou em algumas comunidades do nordeste. Povo sofrido, necessitado, que precisa receber imediatamente o “peixe”, representado pelo alimento. Não é possível exigir qualquer coisa de alguém que esteja de barriga vazia. Alimentá-lo é o primeiro passo.

Permanecer só na alimentação, porém, seria puro assistencialismo, a perpetuação da miséria. Então, é importante adotar outras medidas: “ensinar a pescar” e principalmente “dar condições de pesca”. No caso, ensinar a semear, a cultivar. Mas isso eles já sabem fazer com muita competência: um povo que consegue arrancar alimento de uma terra árida “sabe pescar” muito bem. O pessoal do semi-árido “não pesca” e passa fome porque não tem alimento. Semeia e não colhe porque não chove ou chove muito pouco. Não chove e falta água. Aí o problema central: falta de água.

Por isso, para o caso dessas comunidades rurais, devem ser adotadas medidas fortes, como continuar a fornecer alimento, proporcionar água para o consumo humano, animal e para irrigação, mediante perfuração de poços artesianos comunitários, cacimbas, represamentos de rios, coleta de águas pluviais, etc. Abandonar as terras sem condições de serem cultiváveis. Fornecer sementes de boa qualidade, de produtos adaptados à região. Desta etapa depende o sucesso do projeto. É necessário que o preparo da terra e o plantio sejam acompanhados por técnicos, podendo esses ser estagiários ou recém formados nas escolas agrícolas federais, estaduais, municipais. Será uma oportunidade de eles aplicarem o seu aprendizado. A partir das primeiras safras obtidas com êxito, poderá ser suspensa a remessa de dinheiro para a alimentação e destinar o valor às mesmas comunidades para a saúde, educação, infra-estrutura, moradia, etc. Em pouco tempo, o cenário será outro.

Como se vê, a solução do problema não está só em dar o peixe e/ou ensinar a pescar, mas em dar condições propícias para a pesca (água, sementes, acompanhamento técnico) para não se correr o risco de ensinar a pescar num rio sem peixes (onde nem o melhor pescador do mundo conseguiria pescar), mas transformar solo árido em produtivo.

O sucesso não está tanto no ensinar a pescar. O êxito aparece com maior rapidez quando se dá condição de pesca. Então, precisa alterar aquela frase inicial e dizer “dar o peixe e educar para a autonomia”. Assim é melhor. É uma alternativa que leva à solução definitiva, sem se correr o risco de cair no populismo, na demagogia. É importante que todos se juntem nesta cruzada, independentemente de tendência religiosa ou bandeira política. A recompensa será a certeza do bem cumprido, o resgate, a felicidade e o bem-estar de um povo que sempre foi marginalizado e esquecido, lembrando que esse povo está localizados em todas as regiões geográficas do Brasil.

(Publicado no JNB em 26 de abril de 2003)

Nenhum comentário:

Postar um comentário