O Livro e a América (Castro Alves)
Talhado
para as grandezas,
Pra crescer,
criar, subir,
O Novo
Mundo nos músculos
Sente a
seiva do porvir.
Estatuário
de colossos
Cansado doutros
esboços disse um dia Jeová:
“Vai, Colombo,
abre a cortina
Da minha
eterna oficina...
Tira a América
de lá”.
Molhado
inda do dilúvio, qual Tritão descomunal.
O continente
desperta
No concerto
universal.
Dos oceanos
e tropa
Um,
traz-lhe as artes da Europa,
Outro,
as bagas do Ceilão...
E os
Andes petrificados,
Como braços
levantados, lhe apontam para a amplidão.
Olhando em
torno então brada:
“Tudo
marcha!... Ó grande Deus.
As cataratas
pra terra,
As estrelas
para os céus
Lá, no
polo sobre as plagas,
O seu
rebanho de vagas
Vai o
mar apascentar...
Eu quero
marchar com os ventos,
Com os
mundos... com os firmamentos”!
E Deus
responde: “Marchar”!
“Marchar,
mas como? Da Grécia
Nos dóricos
Partenons
A mil
deuses levantando
Mil marmóreos
Panteons?
Marchar
com a espada de Roma
Leoa de
ruiva coma
De presa
enorme no chão,
Saciando
o ódio profundo
Com as
garras nas mãos do mundo,
Com os
dentes no coração”?
“Marchar,
mas como a Alemanha
Na tirania
feudal,
Levantando
uma montanha
Em cada
uma catedral?
Não, nem
templos feitos de ossos,
Nem gládios
a cavar fossos
São degraus
do progredir...
Lá brada
César morrendo:
No pugilato
tremendo
Quem sempre
vence é o porvir”!
Filhos do
século das luzes!
Filhos da
grande nação!
Quando ante
Deus vos mostrardes,
Tereis um
livro na mão:
O livro,
esse audaz guerreiro
Que conquista
o mundo inteiro
Sem nunca
ter Waterloo...
Elo de
pensamentos,
Que abrira
a gruta dos ventos
Donde a
igualdade voou.
Por uma
fatalidade
Dessas que
descem do além,
O século
que viu Colombo,
Viu Gutemberg
também.
Quando no
tosco estaleiro
Da Alemanha
o velho obreiro
A ave da
imprensa gerou,
O genovês
salta aos mares,
Busca um
ninho entre os palmares
E a
pátria da imprensa achou...
Por isso
na impaciência
Desta sede
de saber,
Como as
aves do deserto
As almas
buscam beber.
Oh,
bendito quem semeia livros,
Livros à
mão cheia
E manda
o povo pensar!
O livro
caindo na alma
É germe,
que faz a palma,
É chuva,
que faz o mar.
Vós, que
o templo das ideias
Largo,
abris |às multidões,
Prá o
batismo luminoso
Das grandes
revoluções,
Agora que
o trem de ferro
Acorda o
tigre no cerro
E espanta
os caboclos nus,
Fazei desse
rei dos ventos
Ginete dos
pensamentos,
Arauto da
grande luz!
Bravo, a
quem salva o futuro
Fecundando
a multidão!
Num poema
amortalhada
Nunca morre
uma nação.
Como Goethe
moribundo
Brada “Luz”
ao Novo Mundo
Num brado
de Briaréu...
Luz,
pois, no vale e na serra...
Que, se
a luz rola na terra,
Deus colhe
gênios no céu.
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