sexta-feira, 10 de setembro de 2021

O Livro e a América (Castro Alves)

Talhado para as grandezas,
Pra crescer, criar, subir,
O Novo Mundo nos músculos
Sente a seiva do porvir.
Estatuário de colossos
Cansado doutros esboços disse um dia Jeová:
“Vai, Colombo, abre a cortina
Da minha eterna oficina...
Tira a América de lá”.
 
Molhado inda do dilúvio, qual Tritão descomunal.
O continente desperta
No concerto universal.
Dos oceanos e tropa
Um, traz-lhe as artes da Europa,
Outro, as bagas do Ceilão...
E os Andes petrificados,
Como braços levantados, lhe apontam para a amplidão.
 
Olhando em torno então brada:
“Tudo marcha!... Ó grande Deus.
As cataratas pra terra,
As estrelas para os céus
Lá, no polo sobre as plagas,
O seu rebanho de vagas
Vai o mar apascentar...
Eu quero marchar com os ventos,
Com os mundos... com os firmamentos”!
E Deus responde: “Marchar”!
 
“Marchar, mas como? Da Grécia
Nos dóricos Partenons
A mil deuses levantando
Mil marmóreos Panteons?
Marchar com a espada de Roma
Leoa de ruiva coma
De presa enorme no chão,
Saciando o ódio profundo
Com as garras nas mãos do mundo,
Com os dentes no coração”?
 
“Marchar, mas como a Alemanha
Na tirania feudal,
Levantando uma montanha
Em cada uma catedral?
Não, nem templos feitos de ossos,
Nem gládios a cavar fossos
São degraus do progredir...
Lá brada César morrendo:
No pugilato tremendo
Quem sempre vence é o porvir”!
 
Filhos do século das luzes!
Filhos da grande nação!
Quando ante Deus vos mostrardes,
Tereis um livro na mão:
O livro, esse audaz guerreiro
Que conquista o mundo inteiro
Sem nunca ter Waterloo...
Elo de pensamentos,
Que abrira a gruta dos ventos
Donde a igualdade voou.
 
Por uma fatalidade
Dessas que descem do além,
O século que viu Colombo,
Viu Gutemberg também.
Quando no tosco estaleiro
Da Alemanha o velho obreiro
A ave da imprensa gerou,
O genovês salta aos mares,
Busca um ninho entre os palmares
E a pátria da imprensa achou...
 
Por isso na impaciência
Desta sede de saber,
Como as aves do deserto
As almas buscam beber.
Oh, bendito quem semeia livros,
Livros à mão cheia
E manda o povo pensar!
O livro caindo na alma
É germe, que faz a palma,
É chuva, que faz o mar.
 
Vós, que o templo das ideias
Largo, abris |às multidões,
Prá o batismo luminoso
Das grandes revoluções,
Agora que o trem de ferro
Acorda o tigre no cerro
E espanta os caboclos nus,
Fazei desse rei dos ventos
Ginete dos pensamentos,
Arauto da grande luz!
 
Bravo, a quem salva o futuro
Fecundando a multidão!
Num poema amortalhada
Nunca morre uma nação.
Como Goethe moribundo
Brada “Luz” ao Novo Mundo
Num brado de Briaréu...
Luz, pois, no vale e na serra...
Que, se a luz rola na terra,
Deus colhe gênios no céu.

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