sábado, 14 de maio de 2022

A morte da tartaruga (fábula de Milor Fernandes)

O menininho foi ao quintal e voltou chorando: a tartaruga tinha morrido. A mãe foi ao quintal com ele, mexeu na tartaruga com um pau (tinha nojo daquele bicho) e constatou que a tartaruga tinha morrido mesmo.  Diante da confirmação da mãe, o garoto pôs-se a chorar ainda com mais força. A mãe a princípio ficou penalizada, mas logo começou a ficar aborrecida com o choro do menino.

“Cuidado, senão você acorda seu pai”.

Mas o menino não se conformava. Pegou a tartaruga no colo e pôs-se a acariciar-lhe o casco duro. A mãe disse que comprava outra, mas ele respondeu que não queria, queria aquela, viva! A mãe lhe prometeu um carrinho, um velocípede, lhe prometeu, por fim, uma surra, mas o pobre menino parecia estar mesmo profundamente abalado com a morte do seu animalzinho de estimação.

Afinal, com tanto choro, o pai acordou lá dentro e veio, estremunhado, ver de que se tratava. O menino mostrou-lhe a tartaruga morta.

A mãe disse: “Está aí assim há duas horas, chorando que nem maluco. Não sei mais o que faço. Já lhe prometi tudo, mas ele continua berrando desse jeito”. 

O pai examinou a situação e propôs: “Olha, Henriquinho, se a tartaruga está morta, não adianta mesmo você chorar. Deixa ela aí e venha cá com o papai”.  O garoto depôs cuidadosamente a tartaruga junto ao tanque e seguiu o pai pela mão. O pai sentou-se na poltrona, botou o garotinho no colo e disse: “Eu sei que você sente muito a morte da tartaruguinha. Eu também gostava bastante dela. Porém nós vamos fazer para ela um grande funeral” (empregou a palavra difícil de propósito). O menininho parou imediatamente de chorar e perguntou:

“Que é um funeral”?

O pai explicou que era um enterro: “Olha, nós vamos à rua, compramos uma caixa bem bonita, bastante velas, bombons e doces, e voltamos para casa. Depois, botamos a tartaruga na caixa em cima da mesa da cozinha, rodeamos de velinhas de aniversário. Aí convidamos os meninos da vizinhança, acendemos as velinhas, cantamos o “Happy-Birth-Day-To-You” pra tartaruguinha morta e você assopra as velas. Depois pegamos a caixa, abrimos um buraco no fundo do quintal, enterramos a tartaruguinha e botamos uma pedra em cima com o nome dela e o dia em que ela morreu… Isso é que é um funeral! Vamos fazer isso”?

O garotinho estava com outra cara: “Vamos, papai, vamos! A tartaruguinha vai ficar contente lá no céu, não vai? Olha, eu vou apanhar ela”.

Saiu correndo. Enquanto o pai se vestia, ouviu um grito no quintal: “Papai, papai, vem cá, ela está viva! O pai correu para o quintal e constatou que era verdade, a tartaruga estava andando de novo, normalmente, e o pai disse:

“Que bom, heim? Ela está viva! Não vamos ter que fazer o funeral”. 

“Vamos sim, papai” – disse o menino ansioso pegando uma pedra bem grande – “Eu mato ela”.


Moral da estória: O importante não é a morte, e sim o que ela nos tira.

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