sexta-feira, 23 de maio de 2025

O juiz e o espelho da verdade (fábula)

Há muitos anos, num reino distante havia um juiz chamado Epaminondas, egocêntrico, postura imponente. Proferia longos discursos, apesar de vazios de conteúdo. Gostava de ser lisonjeado e de se sentir temido. Arrogante, não se importava com a verdade: preferia os aplausos, ser citado pela mídia, ser adulado, reverenciado. A justiça era sempre relegada a planos secundários.

Diante de casos complexos, que demandariam investigação mais acurada, escolhia um culpado, mesmo que sabia ser inocente. Seu objetivo único era mostrar e impor o seu poder. Pessoas simples e desafetos habitualmente eram usados como bodes expiatórios para externar a sua vaidade. Quando ele chegava ao tribunal o povo tremia, aguardado para conhecer qual seria o veredito e quem seria a vítima.

Um dia, uma senhora de idade avançada, foi apresentada ao Juiz Epaminondas, acusada de ter furtado um pão para alimentar o seu neto. Incontinenti, de forma ditatorial e sem deixar a defesa se manifestar, ele proferiu a seguinte sentença:

- A justiça deve ser severa para quem infringe a lei. Declaro essa senhora culpada.

A senhora não chorou, encarou o juiz com olhar sereno e disse pausadamente:

- Muito em breve serás visitado pelo espelho da verdade, caro Juiz. E nele passarás a ver não todas as falcatruas que cometes às escondidas.

Todos riram muito. Epaminondas até se irritou com a ousadia da mulher, mas ignorou a suposta profecia. Porém, no dia seguinte, apareceu um estranho espelho em sua sala. Estava envolto em moldura sólida e refletia algo perturbador. Curioso, o Juiz olhou para ele e ao invés de sua própria imagem, viu um pobre homem, curvado, acabrunhado, olhar vazio. Nesse momento essa imagem falou:

- Este és tu, Juiz. Tu que julgas apenas para alimentar o teu ego ao invés de fazer justiça. Doravante, o sofrimento dos inocentes que condenaste te atormentará para sempre.

Assustado, Epaminondas tentou quebrar o espelho, mas ele permanecia intacto. Tentou escondê-lo, mas ele surgia em todo lugar. Sem poder fugir da própria imagem, enlouquecido, ele começou a se esconder. Recusava julgamentos, com medo de ser visto seguido pelo espelho. Pouco tempo depois abandonou o tribunal e começou a se esconder de tudo e de todos, vagando sem rumo e sem destino. Dizem que ele ainda vagueia por aí, buscando um reflexo que não o acuse. Mas o espelho da verdade, uma vez mostrado, jamais se desfaz.

E, então, foi eleito um novo juiz, justo, discreto e atento. E o povo voltou a acreditar na justiça.

Moral da estória: A justiça, quando usada para alimentar o ego, transforma o juiz em prisioneiro do próprio reflexo.

 

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