Em outros tempos...
Era uma dessas tardes de verão iguais a tantas outras, com o céu meio encoberto por fumaça, corriqueiro em cidade industrializada, e que o sol aparece timidamente de quando em quando.
Havia uma praça grande, que abrigava jardins floridos, árvores frondosas que ofereciam sombras refrescantes, quadras de esportes e bancos de alvenaria para as pessoas se sentarem e descansarem.
Muitos passarinhos tagarelavam sem cessar ocultos entre as folhagens das árvores e pombos, também em abundância, circundavam os transeuntes na esperança de receber algum alimento.
Num desses bancos estava sentado o Sr. Raimundo. Sexagenário, aposentado, com poucos compromissos diários, passava longas horas em algum desses bancos, até o entardecer.
Contemplava o céu, ou as crianças brincando, ou ouvia o chilrear dos passarinhos ou, simplesmente, permanecia distraído e calado.
Gostava de fixar o olhar no horizonte, buscando velhas recordações, lembranças de amigos que já partiram, e às vezes apenas para lembrar e rir de suas manias vividas no passado.
Dentre as lembranças que mais lhe vinham à mente, destacavam-se o tanto que trabalhou, o quanto foi durão consigo mesmo e com os outros. Recordava-se das muitas vezes que, por mero orgulho, não dava o braço a torcer, fingindo-se de corajoso.
Parecia um filme instalado em sua mente exibindo o seu passado. Revia as inúmeras vezes que, por ausência total de humildade, decidia manter-se em silencio a pedir perdão quando errava. Mas isso era passado e não podia mais ser revertido.
Um dia, enquanto confabulava consigo mesmo, um rapaz se aproximou e se sentou ao seu lado, no mesmo banco, e permaneceu calado por algum tempo. Mesmo em silêncio, ele aparentava a necessidade de desabafar algo importante com alguém.
Lá pelas tantas, ele respirou profundamente, e dirigindo-se ao Sr. Raimundo falou:
- O meu pai é muito teimoso, não ouve ninguém e nunca admite seus erros. E eu tenho medo de me tornar como ele.
O Sr. Raimundo olhou para o rapaz e, com toda sabedoria, falou:
- Meu garoto, a vida ensina tudo o que se deve aprender. Mas, às vezes, a gente demora demais para entender que para reconhecer os próprios erros precisa ser de uma grandeza colossal, não em tamanho físico, mas em fortidão e sabedoria. É por isso que só os fortes conseguem pedir perdão. Os outros, se apegam ao orgulho e ao medo disfarçados de coragem.
O rapaz concordou acenando com a cabeça. Então, o velho continuou:
- Por longos anos eu me mantive distante
de um irmão apenas porque discutimos sobre algo irrelevante. Eu exigia, na
época, que ele se desculpasse e me pedisse perdão, o que não aconteceu. Então, rompi
o relacionamento com ele. Um dia, porém, eu percebi minha besteira e resolvi
procurá-lo e lhe pedir perdão.
Quando o encontrei, mencionei o assunto e ele sequer se lembrava do episódio. Então eu o abracei, chorei, lhe pedi perdão pelo longo silencio. Prometi a mim mesmo que nunca mais deixaria o orgulho falar mais alto do que o afeto. Desde então continuo errando, igual a todo mundo, mas aprendi a pedir desculpes e a relevar.
O rapaz permaneceu em silêncio por algum tempo, talvez para digerir o que acabara de ouvir. Depois, respirou fundo, como se tivesse se livrado de algo que o incomodava muito, levantou-se e com um aceno de mão me agradeceu e foi embora (quem sabe para conversar com o pai, ou para pedir desculpas a alguém ou, quiçá, para começar a ser grande de verdade!).