Era uma vez, uma colossal floresta, de dimensões continentais, totalmente tomada por árvores frondosas e verdejantes. O verde marcante se misturava com o dourado forte semeado pelos raios do sol tornando-a ainda mais imponente. Chamava-se Floresta Alviverde. Nela existia um reino poderoso e muito organizado.
Os bichos desse reino formavam uma sociedade bem definida, com todas as estruturas político-sociais e econômicas necessárias para o seu perfeito funcionamento. A Autoridade Jurídica Soberana da Floresta Alviverde era uma jararaca chamada Dandra.
Ela foi nomeada para a função porque, além de muito eloquente, era tida pelos animais como sábia e inteligente. Além disso em seus longos tratados defendia a justiça e sempre se manifestava em prol da igualdade de oportunidades para todos.
Mas, por trás dessa fachada ela escondia um coração cheio de maldade e de ódio.
Pouco tempo após a sua nomeação ela começou a revelar sua verdadeira personalidade. Não suportava, sob qualquer hipótese, ser contrariada por quem quer que seja. Não aceitava que lhe apontassem as agressões que ela cometia contra as leis daquele reino. Interpretava a lei a seu gosto, criava regras e as impunha, não para garantir a justiça, mas para punir os seus desafetos. O beija-flor Ludovico, por exemplo, foi condenado porque construiu seu ninho numa árvore próxima à toca da Jararaca, mesmo que não houvesse qualquer lei que proibisse, e nem havia regra inventada por Dandra. Uma raposa chamada Filomena foi multada só porque “exagerou num sorriso que esboçou no tribunal”, e o coelho Rabicó foi preso por “desrespeito à toca da cobra”, porque havia construído a sua há poucos metros daquela da Juíza, apesar de tê-la feito antes da sua nomeação. Essas são algumas das muitas atrocidades que praticava diariamente.
Tais atitudes, da Autoridade Jurídica Soberana, espalhavam medo entre os animais, transformando o local num reino de terror. Todos evitavam contestar, ou mesmo comentar, as decisões dela, pois ela sempre encontrava uma forma de distorcer a lei e mandar prender o suposto infrator.
Mas todos sabem que o mundo gira, que a terra tem movimentos de rotação e de translação. Assim, um certo dia, uma velha tartaruga chamada dona Judite, de andar lento e tranquilo, retornou à floresta de uma visita que fizera a outro reino distante e muito poderoso. Ela trazia em sua bagagem um velho espelho mágico, encravado em uma pesada moldura de madeira, conhecido como Espelho da Justiça. Qual era a magia desse espelho? Ao invés de repercutir o reflexo de quem olhasse para ele, mostrava, como em um filme, os atos maldosos praticados por ele.
Dona Judite, que estava ciente de todas as maldades praticadas por Dandra, um dia lhe pediu para que a recebesse em audiência, pois desejava mostrar-lhe o espelho. Por curiosidade, a jararaca Dandra consentiu.
- Meritíssima, eu lhe trouxe um presente, falou-lhe a tartaruga, colocando o espelho diante dela.
- Um espelho? Você acha que preciso de um espelho? respondeu Dandra, em tom de deboche.
Mas, extremamente curiosa, ela olhou para o espelho e levou um grande susto: ao invés de ver refletida a sua imagem, viu a dor que havia causado ao beija-flor, a humilhação imposta a Filomena, as lágrimas brotadas dos olhos do coelho Rabicó, e tantas outras maldades praticadas contra outros bichos. Viu também a própria imagem sendo deformada, transformando-se num vulto sombrio, com seus olhos atolados em sangue.
Ao seu redor, os bichos assistiam a tudo
em silêncio. Ninguém falava nada, somente observavam. E aquele silêncio a
torturava. Dandra tentou negar tudo, mas todos sabiam, e ela também sabia, que
o Espelho da Justiça não mente.
Conhecedores das injustiças praticadas pela jararaca Dandra, o Conselho dos Anciãos da floresta se reuniu e decidiu destituí-la de sua função e nomear um velho e justo lobo chamado Matil como o novo guardião da justiça.
Dandra passou seus últimos dias torturada pelas revelações constantes de sua consciência que lhe mostrava as barbaridades que havia cometido.
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